3 de mar. de 2016

A vida.

Eu acordo às 6 e meia da manhã. Quer dizer, primeiro eu acordo às 4 aí tomo um Naldecon Noite e durmo de novo. Às vezes eu demoro a achar a caixinha dos comprimidos e quando isso acontece tudo atrasa porque eu acabo indo fazer xixi, e me angustio com a pilha de cadernos de cultura que eu separei pra ler  quando tivesse tempo. Então eu fico na dúvida se 6 da manhã é tempo ou insônia, e penso que dúvida é uma coisa que eu tenho mais do que camiseta. Decido voltar pra cama e penso em cancelar a assinatura do jornal e em parar de comprar camiseta, porque não tenho dinheiro assim pra isso. 
Eu me cubro muito, durmo de pijama que o papai comprou e quase sempre acordo meio gripada. Meio gripada de vez em quando é bom porque dá pra tomar naldecon. Ler sem parar numa terça e não sentir culpa, essa era a vida que no meu sonho de menina sempre me acompanhou. Eu queria ler sem culpa, mas ler com culpa já é alguma coisa, leio com culpa, pois deveria estar malhando, sei lá...é como ter abolido açúcar, mas manter a Coca normal. 
Como pão com manteiga e acho a melhor comida da existência.  Faço meu café em silêncio, olho os jornais que ainda não cancelei e abro o Instagram. Vejo que a Aninha tá ouvindo James Bay, que a Rafa foi no barzinho e que a Julia tá convocando pra alguma coisa. Faço parte. Posto a foto do Lucas, tô apaixonada pelo garoto que ele esta se tornando. 
Tomo banho pra sair. Preciso depilar e fazer a unha. Decido que vou sempre estar depilada e de unha feita, mas hoje não vai dar tempo. Coloco uma camisa Lacoste pra copiar a Nadia, e respondo e-mail. Chica me avisa que a geladeira quebrou. Mas tá ainda possível de usar,ela diz. Olho o Instagram pra ver se a Lucas teve muitos likes. 
Saio de casa à 1 hora e não gosto de conversar muito antes disso. Normalmente, saio de jeans, se bem que agora tô numa fase de querer usar alfaiataria e sapato Oxford, e isso quer dizer que eu fui pro nível dois. Ainda não sei quem eu quero ser, mas, com certeza, é alguém que não usa cetim, que tem coragem pra bancar um chapéu e tá sempre com lingerie boa para um eventual caso de atropelamento, como diz a Priscila, aliás a Priscilla é um caso à parte.
Entro no ônibus , ligo o spotify e abro o livro de poesia. Leio para viver. Lavanda Johnson’s pra dar restart no meio do dia, carregador do iPhone, meia térmica pro cinema ali no Belas, óculos, rímel, base com protetor solar e remédios antiangústia, antienjoo (que as vezes é angústia disfarçada), e antidor de cabeça, que quase sempre é dor de cabeça mesmo. Jurei que colocaria barra de cereal na bolsa, mas o que vejo é um Toblerone inteiro e cheio de lactose. Mas daquele pequeno, sabe? 
Já durmo sozinha, sem o Lucas. Mas ele só dorme comigo. 
Passo o dia todo tendo ideias de artigos, e também penso muito em sorvete. Marco dentista. Parei de ferir meu coração com a indignação da podridão dos outros, mas a pele ainda tá ruim, porque a pele reflete um coração assim amargo as vezes. Passo rímel nos cílios de baixo. Eu chego sempre até o erre do Toblerone, mas vou baixar pro bê. E depois trident de canela. Aos poucos. Já não como a casca da pizza. E também já durmo sozinha. Já disse isso?
Sempre tive medo de tudo, e cresci alternando no peito a história de como meus pais se conheceram (a vida é boa), e a de que minha mãe não gostaria de ter me tido (a vida é má). Não tem garantia, mas o shuffle mandou uma Steve Wonder que eu sei cantar.
Lembro de quando as aulas de inglês terminavam com letra de música, e decido que vou brincar disso com o Lucas. Penso que tudo vai fazer sentido: a geladeira, os livros, as camisetas , o dentista, os remédios , o medo, o sapato Oxford e o pao com manteiga. 
Tudo vai fazer sentido porque um dia a gente vai pra um sítio ler livros novos de poesia, tocar e cantar, ler no iPhone os cadernos de cultura atrasados, vou estar depilada e de unhas feitas e dividiremos o Toblerone com o meu filho.
A vida é boa. (Tem você) 

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